No encerramento do Ano da Fé, dia 24 de
novembro de 2013 – Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, o
Papa Francisco publicou a Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no
mundo atual.
"A alegria do evangelho enche o coração
e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus": assim inicia a
Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" com a qual o Papa Francisco
desenvolve o tema do anúncio do Evangelho no mundo de hoje, recolhendo por outro
lado a contribuição dos trabalhos do Sínodo que se realizou no Vaticano de 7 a
28 de outubro de 2012, com o tema "A nova evangelização para a transmissão
da fé". "Desejo dirigir-me aos fiéis cristãos - escreve o Papa - para
os convidar a uma nova etapa de evangelização marcada por esta alegria e
indicar direções para o caminho da Igreja nos próximos anos" (1).
O Papa convida a
"recuperar a frescura original do Evangelho”, encontrando "novas
formas" e "métodos criativos", sem deixarmos enredar Jesus nos
nossos "esquemas monótonos" (11). Precisamos de uma "uma
conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como
estão" (25). Requer-se uma "reforma das estruturas" eclesiais
para que "todas se tornem mais missionárias" (27). O Pontífice pensa
também numa "conversão do papado", para que seja "mais fiel ao
significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da
evangelização". A esperança de que as Conferências Episcopais pudessem dar
um contributo para que "o sentido de colegialidade" se realizasse
“concretamente” – afirma o Papa - "não se realizou plenamente" (32). É necessária uma “saudável descentralização" (16). Nesta renovação não se
deve ter medo de rever costumes da Igreja "não diretamente ligados ao
núcleo do Evangelho, alguns dos quais profundamente enraizados ao longo da
história" (43).
Sinal de acolhimento de Deus é "ter por
todo o lado igrejas com as portas abertas" para que os que vivem uma
situação de procura não encontrem "a frieza de uma porta fechada".
"Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer
motivo". O Papa Francisco reafirma preferir uma Igreja "ferida e suja
por ter saído pelas estradas, em vez de uma Igreja... preocupada em ser o
centro e que acaba por ficar prisioneira num emaranhado de obsessões e
procedimentos. Se algo nos deve santamente perturbar ... é que muitos dos
nossos irmãos vivem "sem a amizade de Jesus” (49).
O Papa aponta as
"tentações dos agentes da pastoral": o individualismo, a crise de
identidade, o declínio no fervor (78). "A maior ameaça" é "o
pragmatismo incolor da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo
procede na faixa normal, quando na realidade a fé se vai desgastando"
(83). Exorta a não se deixar levar por um "pessimismo estéril " (84 )
e a sermos sinais de esperança (86) aplicando a "revolução da
ternura" (88).
O Papa lança um apelo às comunidades
eclesiais para não caírem em invejas e ciúmes: “dentro do povo de Deus e nas
diversas comunidades, quantas guerras!" (98). "A quem queremos nós
evangelizar com estes comportamentos?" (100). Sublinha a necessidade de
fazer crescer a responsabilidade dos leigos, mantidos "à margem nas
decisões" por um "excessivo clericalismo" (102). Afirma que
"ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina
mais incisiva na Igreja", em particular "nos diferentes lugares onde
são tomadas as decisões importantes" (103). "As reivindicações dos
direitos legítimos das mulheres ... não se podem sobrevoar
superficialmente" (104). Os jovens devem ter "um maior
protagonismo" (106). (...)
Abordando o tema da
inculturação, o Papa lembra que "o cristianismo não dispõe de um único
modelo cultural" e que o rosto da Igreja é "multiforme" (116).
"Não podemos esperar que todos os povos ... para expressar a fé cristã,
tenham de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado
momento da história" (118). O Papa reitera "a força evangelizadora da
piedade popular" (122) e incentiva a pesquisa dos teólogos.
O Papa detém-se depois, "com uma certa
meticulosidade, na homilia", porque "são muitas as reclamações em
relação a este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos"
(135). A homilia "deve ser breve e evitar de parecer uma conferência ou
uma aula " (138), deve ser capaz de dizer "palavras que façam arder
os corações", evitando uma "pregação puramente moralista ou para
endoutrinar" (142). Sublinha a importância da preparação." (…) O
próprio anúncio do Evangelho deve ter caraterísticas positivas:
"proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não
condena" (165).
Falando dos desafios do mundo contemporâneo,
o Papa denuncia o atual sistema económico, que "é injusto pela raiz"
(59). "Esta economia mata" porque prevalece a "lei do mais
forte". A atual cultura do "descartável" criou "algo de
novo": “os excluídos não são ‘explorados’, mas ‘lixo’, 'sobras'"
(53). Vivemos uma "nova tirania invisível, por vezes virtual" de um
"mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira",
"corrupção ramificada", "evasão fiscal egoísta" (56).
Denuncia os "ataques à liberdade religiosa" e as "novas
situações de perseguição dos cristãos ... Em muitos lugares trata-se pelo
contrário de uma difusa indiferença relativista" (61). A família -
continua o Papa - "atravessa uma crise cultural profunda.
O Papa reafirma
"a íntima conexão entre evangelização e promoção humana" (178) e o
direito dos Pastores a "emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com
a vida das pessoas" (182). "Ninguém pode exigir de nós que releguemos
a religião à secreta intimidade das pessoas, sem qualquer influência na vida
social". "A política, tanto denunciada" - diz ele - "é uma
das formas mais preciosas de caridade". "Rezo ao Senhor para que nos
dê mais políticos que tenham verdadeiramente a peito ... a vida dos pobres!"
Em seguida, um aviso: "qualquer comunidade dentro da Igreja" que se
esquecer dos pobres corre "o risco de dissolução" (207).
O Papa convida a cuidar dos mais fracos:
"os sem-teto, os dependentes de drogas, os refugiados, os povos
indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados" e os migrantes, em
relação aos quais o Papa exorta os Países "a uma abertura generosa"
(210 ). "Entre estes fracos que a Igreja quer cuidar" estão "as
crianças em gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais
hoje se quer negar a dignidade humana" (213). "Não se deve esperar
que a Igreja mude a sua posição sobre esta questão... Não é progressista fingir
resolver os problemas eliminando uma vida humana" (214). Neste contexto,
um apelo ao respeito de toda a criação: "somos chamados a cuidar da
fragilidade das pessoas e do mundo em que vivemos" ( 216).
Quanto ao tema da paz, o Papa afirma que é
"necessária uma voz profética" quando se quer implementar uma falsa
reconciliação "que mantém calados" os pobres, enquanto alguns
"não querem renunciar aos seus privilégios" (218). Para a construção
de uma sociedade "em paz, justiça e fraternidade" indica quatro
princípios: "trabalhar a longo prazo, sem a obsessão dos resultados
imediatos"; "operar para que os opostos atinjam "uma unidade
multifacetada que gera nova vida"; "evitar reduzir a política e a fé
à retórica; colocar em conjunto globalização e localização.
"A evangelização
- prossegue o Papa - também implica um caminho de diálogo", que abre a
Igreja para colaborar com todas as realidades políticas, sociais, religiosas e
culturais (238). O ecumenismo é "uma via imprescindível da
evangelização". Importante o enriquecimento recíproco: "quantas
coisas podemos aprender uns dos outros!". Por exemplo, “no diálogo com os
irmãos ortodoxos, nós os católicos temos a possibilidade de aprender alguma
coisa mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e a sua experiência de
sinodalidade" (246). "O diálogo e a amizade com os filhos de Israel
fazem parte da vida dos discípulos de Jesus" (248). "O diálogo
inter-religioso", que deve ser conduzido "com uma identidade clara e
alegre", é "condição necessária para a paz no mundo" e não
obscurece a evangelização (250-251). "Diante de episódios de
fundamentalismo violento", a Exortação Apostólica convida a "evitar
odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma adequada interpretação
do Alcorão se opõem a toda a violência" (253). Contra a tentativa de
privatizar as religiões em alguns contextos, o Papa afirma que "o respeito
devido às minorias de agnósticos ou não-crentes não se deve impor de forma
arbitrária, que silencie as convicções das maiorias de crentes ou ignore a
riqueza das tradições religiosas" (255). Reafirma, assim, a importância do
diálogo e da aliança entre crentes e não-crentes (257).
O último capítulo é dedicado aos
"evangelizadores com o Espírito", aqueles "que se abrem sem medo
à ação do Espírito Santo", que "infunde a força para anunciar a
novidade do Evangelho com ousadia, em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo
em contracorrente" (259). Trata-se de "evangelizadores que rezam e
trabalham" (262), na certeza de que "a missão é uma paixão por Jesus
mas, ao mesmo tempo, uma paixão pelo seu povo" (268): "Jesus quer que
toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros"
(270). "Na nossa relação com o mundo – esclarece o Papa - somos convidados
a dar a razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam o dedo e
condenam" (271). "Pode ser missionário - acrescenta ele - apenas quem
busca o bem do próximo, quem deseja a felicidade dos outros" (272):
"se eu conseguir ajudar pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto
já é suficiente para justificar o dom da minha vida" (274).