A
Família é o primeiro espaço onde cada indivíduo se insere; é a escola da sociabilização
que nos leva à articulação e interação com a comunidade. É um núcleo de
convivência, unido por laços afetivos, que, por norma, partilha o mesmo teto e
onde se aprendem os valores humanos; daí a importância da sua atuação nas
nossas vidas.
A
família não é algo que nos é dado de uma vez por todas, mas nos é dada como uma
semente que necessita de cuidados constantes para crescer e se desenvolver
harmoniosamente. Devemos, portanto, estar conscientes de que é preciso
trabalhá-la e cultivá-la sempre, constantemente, e com muito amor.
A
família foi e ficará sempre o fundamento da sociedade. Ela transcende qualquer
partido político, sociedade, associação ou qualquer outro género de agrupamento
humano: ela é constituída por relações de amor! Na origem de tudo há um amor
conjugal que chama a vida a participar desse amor.
Um
bom dia, cheio de muito amor, para todas as famílias!
Ana Patrão 6.º A
Nota Pastoral da Conferência
Episcopal Portuguesa
A
família, um bem social
1.
Consideramos da maior oportunidade, no atual contexto da sociedade portuguesa,
atravessada por uma crise social e económica de particular gravidade, que se
traduz para muitos em desalento e falta de perspetivas de futuro, colocar em
relevo o bem insubstituível que representa a instituição familiar, «origem e
património da humanidade» (Bento XVI).
A
família representa um bem público, um bem social. Podemos encará-la na
perspetiva do seu relevo privado, como um bem para a realização pessoal, no
plano afetivo, espiritual ou outros, de cada um dos seus membros. Mas devemos
também encará-la na perspetiva do seu relevo social, do bem que representa para
a sociedade no seu todo. Podemos caracterizá-la como a fonte básica do capital
humano, social e espiritual de uma sociedade, a que assegura o seu futuro e o
seu crescimento harmonioso. A saúde e coesão de uma sociedade dependem, por
isso, da saúde e coesão da família.
Só a
família concebida a partir do compromisso definitivo entre um homem e uma
mulher pode desempenhar esta função social. As alterações legislativas que,
entre nós como noutros países, vêm redefinindo o casamento de forma a nele
incluir uniões de pessoas do mesmo sexo, esquecem esta verdade fundamental.
A
família é a primeira e mais básica das instituições sociais, antes de mais
porque assegura a renovação das gerações, sendo a primeira função de qualquer
comunidade a de assegurar a sua própria sobrevivência e renovação. E cumpre
essa função porque representa o contexto mais adequado e harmonioso para a
educação das novas gerações.
A
família é o santuário da vida e do amor, lugar da manifestação de «uma grande
ternura, que não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário denota fortaleza
de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao
outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura» (Papa Francisco).
Razões da insubstituível importância da família
2. Na
família respeita-se a dignidade da pessoa humana, esta é encarada como ser
único e irrepetível. Nela não há lugar para o anonimato. Nela a pessoa é
acolhida e amada pelo que é, não pelo que faz ou pelo que produz.
Por isso, o contexto familiar é aquele em que os mais vulneráveis, incluindo os
doentes e portadores de deficiência, não deixam de ser valorizados.
A
família é a primeira e mais básica escola de sociabilidade. Nela se aprende a
convivência com o outro e o diferente; o homem é diferente da mulher,
os irmãos nunca são iguais, e os filhos nunca são o reflexo da imagem dos pais.
Na
família a solidariedade não é imposta, é espontânea e calorosa. Ela é o campo
privilegiado da gratuidade, do dom desinteressado, onde espontaneamente se dá
sem esperar nada em troca e com a maior das alegrias.
Na
família a autoridade é exercida como serviço e por amor.
A
renovação das gerações no seio da família também permite a mais harmoniosa
aliança entre a tradição e a novidade. As gerações mais velhas transmitem às
gerações mais novas, como a sua mais preciosa herança, aqueles valores perenes
que não estão sujeitos à usura do tempo e não passam com as modas. As gerações
mais novas representam a abertura ao novo, ao dinamismo e à criatividade, que
tornam vivos esses valores perenes.
Num
outro aspeto a família representa o contexto mais adequado e harmonioso para o
crescimento e educação das novas gerações. A família nasce da unidade e
complementaridade das dimensões masculina e feminina, que cooperam, nessa
unidade e complementaridade, para a integridade da educação humana.
O
casamento, como união entre um homem e uma mulher, tem representado nas
sociedades e culturas mais diversificadas um símbolo dessa riqueza que
representa a dualidade sexual, da unidade dessa diversidade. A mensagem bíblica
exprime-o com as palavras do Génesis: «Deus os criou homem e mulher …
e viu que a sua obra era muita boa…». Esta riqueza da dualidade
sexual, da unidade e complementaridade dos dois sexos, está presente na família
e, por seu intermédio, deve penetrar em toda a sociedade. Todos os âmbitos da
vida social ganham com o contributo simultâneo, diversificado e harmónico das
especificidades masculina e feminina, que são complexas, não são rígidas e
uniformes, mas são uma insubstituível riqueza.
A família e a crise económica e social
Mas
esse apoio não é suficiente. A crise também evidencia que a comunhão e
solidariedade que se vivem no seio da família não pode limitar-se ao seu âmbito
interno. A família não pode fechar-se sobre si. Esse espírito de comunhão e solidariedade
deve partir da família e alargar-se à sociedade inteira. Deve traduzir-se na
entreajuda entre várias famílias. As experiências de muitas comunidades cristãs
são já disso testemunho, mas não é demais salientar a necessidade de se
multiplicarem essas experiências de partilha entre famílias.
Na
raiz da crise que atravessamos estão fracassos de um modelo económico assente
na maximização do lucro e do consumo. Afirma Bento XVI na sua mensagem para o
Dia Mundial da Paz deste ano (n. 5): «O modelo que prevaleceu nas últimas
décadas apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa ótica
individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua
capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra
perspetiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a
dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de
iniciativa, já que o desenvolvimento económico suportável, isto é,
autenticamente humano tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão
de fraternidade e da lógica do dom».
A
gratuidade típica das relações familiares deve servir de modelo para este novo
paradigma de desenvolvimento económico.
A família e a abertura à vida
4.
Talvez o mais eloquente sinal de que a crise da instituição familiar se traduz
em malefícios sociais seja o da crise demográfica, que muitos consideram o mais
grave dos problemas sociais das sociedades europeias, numa perspetiva do seu
futuro mais ou menos próximo. As últimas estatísticas apontam Portugal como um
dos países com mais baixa taxa de natalidade em todo o mundo.
A
família abre-se, por desígnio natural, à vida.
Poderá
parecer irrealista salientar a importância desta abertura à vida no atual
contexto social, em que o desemprego e a precariedade laboral atingem de modo
particular os jovens. Este facto deve levar-nos a não nos resignarmos com esta
situação, como se ela fosse inevitável, como se a economia não devesse estar ao
serviço da pessoa humana, e fosse a pessoa humana a dever sujeitar-se às
exigências da economia. Salienta Bento XVI na encíclica Caritas in veritate (n.
25), a propósito da instabilidade laboral, que quando «se torna endémica a
incerteza sobre as condições de trabalho, resultante dos processos de
mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica,
com dificuldade a construir percursos coerentes na própria vida, incluindo o
percurso rumo ao matrimónio».
Mas,
por outro lado, a crise que atravessamos também é reflexo da crise demográfica.
Numa sociedade em envelhecimento, as despesas públicas serão cada vez maiores
em pensões, saúde, etc., e as receitas cada vez menores. Assim, o financiamento
do Estado há de ser cada vez mais problemático.
É
claro o bem que representa hoje a maior longevidade, o facto de os idosos
viverem mais tempo do que noutras épocas. O que é problemático não é isso; não
há idosos “a mais”, porque estes são sempre uma riqueza, e nunca um peso. O que
é problemático e causa desequilíbrios é que não nasçam crianças.
Afirma
ainda Bento XVI na encíclica Caritas in veritate (n. 44): «A abertura
moralmente responsável à vida é uma riqueza social e económica. (…) A
diminuição dos nascimentos, situando-se por vezes abaixo do chamado “índice de
substituição”, põe em crise também os sistemas de assistência social, aumenta
os seus custos, contrai a acumulação de poupanças e, consequentemente, os
recursos financeiros necessários para os investimentos, reduz a
disponibilização de trabalhadores qualificados, restringe a reserva aonde ir
buscar os “cérebros” para as necessidades da nação. Além disso, as famílias de
pequena e, às vezes, pequeníssima dimensão correm o risco de empobrecer as
relações sociais e de não garantir formas eficazes de solidariedade. São
situações que apresentam sintomas de escassa confiança no futuro e de cansaço
moral. Deste modo, torna-se uma necessidade social, e mesmo económica,
continuar a propor às novas gerações a beleza da família e do matrimónio, a
correspondência de tais instituições às exigências mais profundas do coração e
da dignidade da pessoa. Nesta perspetiva, os Estados são chamados a instaurar
políticas que promovam a centralidade e a integridade da família, fundada no
matrimónio entre um homem e uma mulher, célula primeira e vital da sociedade,
preocupando-se também com os seus problemas económicos e fiscais, no respeito
da sua natureza relacional».
Ajudam
a combater a crise da natalidade medidas fiscais, que promovam o emprego
juvenil, ou que facilitem a conciliação entre o trabalho e a vida familiar. Mas
o contributo decisivo para vencer a crise demográfica situa-se no plano da
cultura e da mentalidade. Há que superar o “cansaço moral” e a “falta de
confiança no futuro” a que alude a encíclica Caritas in veritate. Saber
que a vida é sempre um dom que compensa todos os sacrifícios – só com esta
consciência pode ser vencida a crise da natalidade.
Qualquer
mensagem de desvalorização da vida humana acarreta consequências negativas a
este respeito. Uma delas – sem dúvida a mais grave – é o aborto e sua
banalização a que vimos assistindo entre nós com a cobertura da lei vigente.
Afirma, ainda, sobre esta questão, a Caritas in veritate (n. 28):
«Quando uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de
encontrar as motivações e energias necessárias para trabalhar ao serviço do
verdadeiro bem do homem. Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao
acolhimento duma nova vida, definham também outras formas de acolhimento úteis
à vida social. O acolhimento da vida revigora as energias morais e torna-nos
capazes de ajuda recíproca».
A família, um projeto duradouro
5.
Para vencer a crise demográfica, como em relação a muitos outros aspetos
relativos à sua função social, há que acreditar na família como um projeto
duradouro, assente num compromisso de doação total e não na volatilidade dos
sentimentos. Só nesse contexto é razoável a decisão de ter filhos. Se a saúde e
coesão da sociedade dependem da saúde e coesão da família, esta está
estritamente ligada à sua estabilidade.
Vai-se
generalizando, porém, a opção por formas de convivência marital precária, que
recusam esse compromisso; tal como é cada vez mais frequente o recurso ao
divórcio, o que a legislação vigente também não deixa de facilitar em extremo.
Salienta,
a este respeito, a exortação apostólica Familiaris consortio (n. 11), de
João Paulo II, que «a sexualidade diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa
humana» e se realiza «de maneira verdadeiramente humana, somente se é parte
integral do amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o
outro até à morte». A doação física total é verdadeira só na medida em que
envolve toda a pessoa, também na sua dimensão temporal, com a comunhão de
projetos para o futuro: «se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a
possibilidade de decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se
doaria totalmente». Esta totalidade corresponde também às exigências de uma
fecundidade responsável, a qual supõe o contributo contínuo do pai e da mãe
para o crescimento harmonioso dos filhos.
Por
isso, ainda segundo essa exortação apostólica (n. 11), «o “lugar” único, que
torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimónio». Este
«não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição
extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal
que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a
plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador». Esta fidelidade não mortifica a
liberdade da pessoa, «põe-na em segurança em relação ao subjetivismo e
relativismo, fá-la participante da Sabedoria Criadora».
A esta
luz, não é demais lembrar a responsabilidade que representa a preparação, mais
remota e mais próxima, para o casamento. Uma preparação que envolve as famílias,
as instâncias educativas e a Igreja.
Importa,
ainda, salientar como, também neste aspeto, deve evitar-se que cada família se
veja sozinha a enfrentar dificuldades que possam conduzir à rutura. A
experiência de um casal que soube superar as suas dificuldades de
relacionamento pode servir de ajuda para outros que se confrontam com essas
dificuldades. Experiências de entreajuda entre famílias neste campo também
devem multiplicar-se no âmbito das comunidades cristãs.
E se é
verdade que a Igreja nunca deixará de proclamar a indissolubilidade do
casamento, antes de mais perante quem se prepara para o contrair, tal não pode
significar insensibilidade ou indiferença perante o sofrimento de quem
experimentou um fracasso matrimonial, independente de qualquer juízo de culpa,
que até pode nem existir. A Igreja acolhe e acompanha com solicitude essas
pessoas.
Olhamos
com simpatia e apreço os movimentos e instituições que se preocupam e dedicam à
família, encarnando o amor de Deus e manifestando-lhe o rosto amável da Igreja.
A sociedade à imagem da família
6.
Muitas vezes a família é encarada como um refúgio que protege de um ambiente
hostil da sociedade que nos rodeia, um oásis de harmonia no meio do deserto, um
espaço de humanização no meio de um mundo desumanizado. E é assim de facto. Mas
também podemos encarar a família de outra perspetiva: como a fonte e o fermento
de onde parte a renovação da sociedade. É assim através dos filhos, que se
devem proteger das más influências da sociedade, mas que também a esta podem dar
muito do que recebem na família.
Os
valores que se vivem na família – a pessoa amada e acolhida como ser único e
irrepetível, o amor gratuito, a solidariedade espontânea, a autoridade como
serviço, o valor do doente e do idoso, a aliança da tradição e da inovação, a
unidade e complementaridade das dimensões masculina e feminina, a fidelidade e
o compromisso – devem estender-se, por seu intermédio, a toda a sociedade: às
empresas, aos serviços públicos, às escolas e hospitais, às comunidades
eclesiais, às associações. A família é o modelo, o dever ser de qualquer
convivência humana.
Num
contexto de crise económica e social, que para muitos se traduz em desalento e
falta de perspetivas de futuro, é esta a mensagem que queremos transmitir, como
antídoto a esse desalento e como ajuda à superação dessa crise: que a família
seja reconhecida e apoiada na missão social que só ela pode desempenhar.
Fátima, 11 de abril de 2013